O famoso 'se colocar no lugar do outro'

Talvez escrevendo isso eu passe a ser o terror dos empresários quadradinhos e dos gestores de empresas pessoas. Nada do que eu escrever aqui me foi ensinado em qualquer universidade que eu tenha frequentado. Nada foi, sequer mencionado, pra minha infelicidade. Aliás, arrisco dizer que a faculdade te doutrina a pensar como um funcionário caxias que precisa, o tempo todo, seguir os passos do chefe. Ninguém te ensina a ser líder. No máximo, te mostram a como mandar e ser obedecido. Não sei como, mas agradeço por nunca ter absorvido isso.

Se você não é filho de abonados empresários, se não ganhou na loteria ou nunca precisou passar um dia inteiro com uma Trakinas no estômago esperando a aula acabar pra pegar um ônibus lotado, certamente vai se identificar com o que eu tenho a dizer. Mais ainda, se você "chegou lá" sem precisar pisar em ninguém, se não fez isso passando por cima dos seus valores e crenças.

Bem, se não me engano o primeiro dinheiro que eu ganhei trabalhando foi entregando panfletos em um bairro nobre da minha cidade aos 16 anos, com uma amiga, em troca de R$10 por dia. Depois fui recepcionista no meu primeiro emprego formal, onde fui promovida em dois meses e fiquei lá por três anos, até sair pra morar fora. De lá pra cá se passaram mais de dez anos, alguns poucos chefes inspiradores e uma brutal maioria de abomináveis criaturas com valores e personalidades questionáveis.

Nesses doze anos prestando serviço pude ver de tudo. E foi isso que me ensinou a como eu nunca gostaria de ser. Na minha última experiência profissional tive a chance da minha vida quando fui promovida de assessora a diretora. Eu dormi cuidando só do meu trabalho e acordei tendo de supervisionar o trabalho de quase vinte pessoas. Supervisionar! Quem dera. Essa palavra soa tão mais simples do que de fato o cargo exige. Mas, é esse o ponto o qual queria chegar.

Uma vez, lá naquele meu primeiro emprego, fui chamada na sala do dono da empresa. - Deus! O que foi que eu fiz? - "Eu tava vendo o teu salário e acho que não é o suficiente pra tu pagar a tua faculdade e dar conta da vida. Vou te dar um aumento..." Ali eu tive minha primeira experiência com um gestor de pessoas, de seres humanos, de pessoas que tem uma vida fora dali. Guardei aquilo em um compartimento especial da minha cabeça. Já em outra empresa, fui mais uma vez chamada na sala do chefe, que me questionou por que eu não estava fazendo hora extra, por que eu não estava exercendo outras funções além da minha, por que eu ia tanto ao banheiro (sim), por que, por que. Ali eu tive minha primeira experiência com um gestor de cédulas de cem. Guardei, mais uma vez, aquilo em um lugar especial.

Quando nos ensinam a gerir pessoas, nos mostram como executar dinâmicas de grupo, gritinhos de guerra motivacionais, reuniões e conversas intermináveis, avaliações mensais, palestras maravilhosas, análises de metas. Meu Deus, quanta perda de tempo! Lembrando que meu lugar de fala, aqui, não é a de herdeira de uma grande empresa, ganhadora da Mega, de quem puxou o tapete de alguém para trabalhar com o que trabalhou. Eu precisei de vinte e nove anos - doze de trabalho - pra juntar as peças desse jogo e aprender alguma coisa.

Então, caros colegas, tenham o mínimo de empatia. Se interessem pela vida das pessoas, ajudem-as a chegar longe, incentivem-as a tomar o seu lugar na empresa - porque eu preciso te dizer: você não vai ficar pra semente. Motive como gostarias de ser motivado, elogie, avalie salário, reavalie. Ofereça benefícios, se interesse um pouco mais. Seja a liderança da empresa, não o terrorista. Saia desse lugar de chefe dos anos 90 que passava o dia apontando lápis e pedindo cafezinho pra secretária. As pessoas precisam te admirar para que queiram te conceder algum respeito. Todo o resto é medo ou falsidade. Acredite, nenhum dos dois vai fazer tua empresa crescer. Desconfie de quem só concorda contigo. Dê voz a quem te questiona! Quando você atinge determinado nível hierárquico, corre grande risco de virar um imbecil que só fala besteiras e continua falando, porque poucos - senão ninguém - te dirão o quão idiota estais sendo. Por isso, dê valor a quem discordar do que falas. Entenda, também, que 1% das pessoas que trabalham com um babaca gostariam de estar ali. Até você, dono da empresa, preferia estar na praia com a família, pescando robalo e bebendo caipirinha. Faça, então, com que eles cogitem estar ali por prazer, porque amam o que fazem e admiram a quem fazem. Trate com carinho quem lhe vende tempo. O tempo daquelas pessoas, calculado na ponta do lápis, nunca conseguiria ser pago com fortuna nenhuma. Valorize isso!

Quando eu acordei tendo uma equipe inteira nas costas, vi o filme da minha vida profissional passando aos meus olhos. Eu decidi que seria gestora de pessoas e não de cédulas. Isso é bem visto por grandessíssimos empresários? Não é. Ainda! Em um português bem dito, um dia a água vai bater na sua bunda - tenho fé. As pessoas vão parar de se ver como empregados e vão se colocar nos seus lugares corretos: o de prestadores de serviço. Eu te ofereço minha habilidade e meu tempo, você me paga por isso e me respeita, primeiro por eu ser um ser humano, depois por não saber fazer o que eu faço.

Pensando assim, ainda consegui falhar muito. Mas, tirei o peso das costas de gerir uma equipe e os coloquei, todos, do meu lado. Ninguém está acima, nem à frente. Estamos juntos!

A quem não pensa assim, gostaria de lamentar a perda de seus melhores funcionários muito em breve. E a não ser que consigas exercer a todas as funções ao mesmo tempo, tens enormes chances de falir. E a quem como eu comeu muita Trakinas pra se manter de pé nas épocas de faculdade, lembre sempre de onde veio. Só isso vai te fazer dar valor às pessoas e ao lugar onde chegou.

Postagens mais visitadas