Voa, Maria do Bairro, voa!




Com a oportunidade de mandar os originais do Crônicas pra uma editora, veio a necessidade de reler tudo o que eu já escrevi em todos esses anos. Quase duzentos textos! Aí veio também aquela sensação chata de reviver coisas que eu já tinha matado e enterrado; Veio a sensação boa de ver coisas que eu enterrei certo, agora dando flores; Tem também as coisas que doem, ainda; Coisas que eu sei que sempre vão doer e as que eu vivo hoje, as quais sinceramente eu já nem sei se machucam ou fazem bem, de tão anestesiada que eu estou.

O fato é que eu não consigo reunir os textos. Acho tudo uma grande porcaria e não me vejo mais em quase nada. Quem era aquela pessoa louca que sentia tanto e tão forte a ponto de expor isso assim, pra meio mundo? Onde eu larguei aquela criatura que desabava em palavras tudo que tinha por dentro, explodindo pra sair? Quando foi que eu deixei de ser quem eu era pra me tornar quem eu sou?
Não que hoje eu seja pior, nem melhor. Só não me enxergo mais ali naqueles textos. Não sei mais quase nada sobre o amor, por exemplo. Sem drama, só não sei mesmo o que falar quando essa é a pauta. Conselho pra amigos eu já nem dou. Finjo que não é comigo! A minha vida amorosa é uma montanha russa, uma roleta russa, uma russa loucona com a cabeça cheia de whisky. É um sobe e desce de degraus, um começo cheio de fins. Não sei lidar, não sei falar, não sei se acredito ou se desconfio da existência.

A verdade mesmo é que eu mudei muito nos últimos meses. Não sou mais a mesma pessoa. Não moro mais naquelas frases. Não prego mais aquelas ideias e, não levanto mais nenhuma bandeira. E a culpa nem é das russas – a montanha, a roleta e a bebum -, nem da idade, nem das contas pra pagar ou das viagens que eu não fiz. A culpa não é de quem me amou pouco, de quem não amou nada e muito menos de quem me amou muito. Não atribuo essa mudança a quem retribuiu pouco ao muito que eu dei, e menos ainda a quem ao contrário me encheu de coisas que eu não soube dar de volta. A culpa não é do tempo, nem das cicatrizes, nem acho que sou uma mulher madura. Sou infantil e imatura às vezes, se isso acrescentar em alguma coisa. A culpa não é das estrelas, nem do John Green. Não é de quem me magoa a conta gotas todos os dias, nem de quem me dá paz e me poupa de escrever um drama vagabundo.
A culpa é toda e absolutamente de ninguém.

Nós mudamos! Vamos enterrando um pouquinho da gente junto com as histórias, com as pessoas. Vamos colhendo flores do que, por sorte, faz raiz na gente. E aí que tudo o que um dia eu vivi me transformou nisso que eu sou hoje. E pensando assim, tenho até carinho por aquelas porcarias que eu escrevia aos dezenove. Preciso agradecer aos babacas, aos pés na bunda, aos porres, às russas, aos enterros e às flores.

Acho, inclusive, que essa minha novela mexicana merece sair da Gaveta. Voa, Maria do Bairro, voa!

Postagens mais visitadas