Tá feio, tá escroto

Eu sinto muita vergonha, apesar de toda a minha cara de pau. Eu falaria no microfone, sem me esconder, para três Maracanãs lotados. Posaria nua, caso isso fizesse parte dos meus planos. Não faz! Mas sim, eu posaria sem beber champanhe. Eu seria oradora de formatura, cantaria no Rock'n Rio e me apresentaria em um teatro municipal, daqueles bem grandes, abarrotados de gente com línguas afiadas a julgar. Faria isso tudo caso tivesse talento a apresentar, sem vergonha nenhuma.

Mas não é dessa vergonha a que me refiro. Falo é daquele reflexo em se esconder embaixo da mesa quando alguém é indelicado, injusto, covarde. Daquela vontade de pegar o cidadão pela mãozinha e dizer "amigão, tá feio, tá escroto.".

Recentemente fui ao show de uma das minhas bandas preferidas, com minhas irmãs e meus cunhados (eu seguro muita vela nessa vida) e tivemos o desprazer de presenciar cenas absurdas em um camarote, protagonizado por pessoas sem a menor ideia do que significa "limites". Era bebida pra todo lado (pra cima, principalmente), fumaça de cigarro na nossa cara e o que mais me agrediu: mulheres se submetendo a maus tratos - e a muito mais - só pela chance de estar ali, em um camarote, bebendo champanhe.

Resumindo a ópera, chorei durante mais da metade do show. Chorei por vergonha de compartilhar o ambiente com aquela gente que invadia o espaço de cada um ali sem o menor remorso; Chorei por ser mulher e ter minha classe ali, tão mal representada; Por ver a banda que eu amo - e que defende visões tão diferentes daquela - sendo palco e platéia daquele absurdo; Chorei por vergonha de viver em um mundo onde valor e preço se confundem tanto e, como se não bastasse, eu chorei porque não podia pegar ninguém pela mãozinha e dizer "amigão, tá feio, tá escroto.".

Pensei muito antes de publicar isso, mas eu decidi não me acovardar e não ser conivente. Tenho mais vergonha do que vou apresentar aos meus filhos do que qualquer outra coisa nessa vida. E se eu tivesse de escolher entre viver aquela situação mais uma vez ou passar o resto dos meus dias sem socializar com o mundo lá fora, escolheria com toda certeza me ausentar da sociedade. Porque aqui fora tá feio, tá escroto, mas aqui dentro continua tudo como minha mãe ensinou. O valor de uma coisa nem sempre é o preço que se paga por ela.

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