Um café, por favor


Aqui na minha rua tem uns seis cafés. A rua é grande, mas nem nos meus mais positivos sonhos, teriam seis cafeterias - não é coisa de velho falar "cafeteria"? - no meu bairro. Eu disse bairro. Hoje, tenho meia dúzia na minha rua. Quase nunca cheios, mas sempre tem alguém com uma xícara suja e uma cerveja na mesa.

Já fui mais fã de café - a bebida, não a "cafeteria". Mas, não é isso. Um lugar onde você pede um expresso e uma água com gás, é um lugar onde você pode ficar o tempo que quiser, em paz, pensando no que quiser. Escrevendo num MacBook como nos filmes americanos, ou só lendo o que diz o jornal sobre a ultima do Cristiano Ronaldo, mesmo.

Fomos esses dias tomar um café, em um dos seis lugares que falei. Pedimos dois expressos e um pastel de natas. O lugar estava cheio de homens mais velhos, uma jovem e, eu e Alê - que somos velhos demais pra ser jovens e jovens demais pra ser velhos. Os homens falavam alto, coisas que eu não entenderia nem se tivesse participando da conversa; A menina fazia qualquer coisa em silêncio; Nós olhávamos pra tudo e pra todos, meio assustados, meio querendo fazer parte.

Tenho pensado muito nesse café e nesse dia. Acho que aqui, em Portugal, as pessoas vivem mais, porque não mandam WhatsApp. Ou elas se ligam, ou mandam SMS. Mandar SMS, no lugar de onde eu vim, é o supra-sumo da paciência. Uma pessoa que manda SMS, no Brasil, não quer guerra com ninguém. Não saber se a mensagem chegou, se a pessoa leu, se está online, se está viva. Alguém inseriu, em algum momento, esse chip da aprovação e da carência na gente. Aqui, as pessoas realmente não se importam.

Ninguém contabiliza like de Instagram e não parecem, nem de longe, lutar contra os algoritmos de rede social. As pessoas só querem sentar, pedir uma Sagres e um café (os dois juntos), comer uns tremoços, falar alto com os amigos (e com qualquer pessoa), e irem pra suas casas, seguir com suas vidas.

Ninguém aqui está muito preocupado com wi-fi, nem se você tem sucesso no que faz. As pessoas só querem pedir uma Sagres e um café depois do trabalho. Ou, os mais velhos, vão almoçar na Joana - que fica aqui na esquina e vende menu* por 7€, pedem uma taça de vinho e, adivinha? Um café. Pra alguns, isso pode ser o retrato de uma vida desinteressante e fracassada; pra mim, é uma vida de paz de espírito.

Tenho quebrado muito a minha cabeça sobre meu futuro profissional. Muito mesmo! Não sei se eu corro ou se fico - de qualquer jeito o bicho vai pegar ou comer, mesmo. Mas, acho que a gotinha de sangue europeu que corre em mim, ainda consegue ficar ansiosa pra que o Alê chegue do trabalho e a gente possa ir ali na Pastelaria* que nunca fomos, pedir um expresso, um pastel de natas, sorrir para estranhos e ouvir coisas que não entendemos.


*Menu: aqui, como em muitos lugares da Europa, os restaurantes vendem "menu". Geralmente, são: entrada, prato principal, sobremesa, bebida e café.
*Pastelaria: o que eu, velha, chamo de cafeteria.

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